Vidância

Olhei para o varal e as sinapses me enganaram. De novo, desafiando a erudição germânica, as colunas da Hélade e demais consagrações acadêmicas. A pita de aço revestida de plástico nascia de um dos caibros do telheiro da areazinha, indo morrer no estuque branco da casa dos fundos.

O CASO DA SENHORA D

Naquele fim de tarde, Horácio ouvia sua nova cliente sem entender o que ela desejava.

A espera

e não há lamento:
um sereno torpor a lhe invadir a calma
uma esperança vermelha
o risco a giz no solo negro
as letras imensas
o foco

Mãe

Toda essa tragédia acontecendo, meus livros e cílios chamuscados, meus testes vocais que não serão “What’s Poppin” nem se eu quisesse, queimadas bem ao lado, uma visita atrasada…

PAULICÉIAS

(i)
Cemitério da Consolação
lápide hermética:
“foi-ce de parada poética”

Tudo e mais outro tanto

A poesia delira ao diapasão e, logo, intenta aos acordes da lira. Poesia que tanto descreve saliva de beijo, bem como a imagem do pensador com o queixo poisado nos dedos.

Celebração

Sentir-se alheio em todo o tempo
Do corpo se eximir completamente
Viver sobremaneira em descontento
Sem saber sentir quando se sente

Abajur

E tenho certa urgência
de dizer – te amo – enquanto dormes
uma cesta de planos nos braços
honestos e delicados

Língua Amorosa

O sujeito pede o verbo
em qualquer tempo
ou é indeterminado, mas
em certas circunstâncias
o sujeito é prejudicado

Cosme

Cosme,
Não há rima pra ti, sujeito!
Corre, guerreiro,
Rasga esse peito…
E põe todo esse coração pra fora, agora!

Tem um buraco no meu peito

Tem um buraco no meu peito
bala de prata, corte profundo
olho de fogo, dor, facada?
tem um buraco e não tem jeito
não tem saída, nem tem fundo
é melhor você nem olhar

Sobre os perfumes da vida

Abandono-me como pétalas soltas
ao redimir de tuas palavras poucas
talhadas em esperas de sentimentos promulgados
enquanto legislas a vida que é tua

RUBEDO

raio
debaixo
de chuva
rio
debaixo
de Sol

Todas As Artes Para Cuidar da Maior de Todas

Fomos convidados
a um novo estilo de vida
pra não sermos covidados

A vida marinha de Adília Lopes

A luz folclórica da câmera fotográfica capturou uma fotografia de Adília Lopes. A foto é bastante conhecida e nela ela está com os olhos fechados, de frente para o que parece ser um piano.

Oração

Ata meus diabos com os teus tambores
Suga a lama das minhas veias
Trapaceia meu carma, limpa meu chacra
Adormece meus horrores

Caras entre línguas (Manaos)

Caras calmas cheias
de olhos que pairam
lá em cima
e brincam como o urubu

Última Que Morre

A gente só tá aqui por causa da esperança. A manada humana toda, por conta dela.
Se a gente faz as coisas e frita a cebola no óleo, e pensa que estuda e se esquece da matéria e passa xampu ou sabão de coco ou não passa nada…

Espasmo

Se hoje este olhar tem trauma
É porque vi: não sou mais flora!
Mas trago na mão o hematoma
Do soco que dei na mesa…

febre

tenho febre
desde as dez da manhã
até as onze da noite
e a madrugada inteira
faz muito calor lá fora

em devaneio esgarça

em devaneio esgarça
engasga o verso afoito
do meu beijo
ao coito
da língua
ao ventre

microclima

previsão de chuva
no céu da boca
a umidade no jardim
de suas coxas

Gás

Talvez um poema lhe saia do peito,
Talvez venha a nós, outrossim, do intestino.
Pra mim, o poema biscoito mais fino
É o tal que se faz, não aquele que é feito.

Instante de fotografia

um risco fugindo da tela
um brejo uma casa a colina
um trinca-ferro no galho
um velho tecendo armadilhas

RESENHA DE FILME

O Senhor do Labirinto

O Senhor do Labirinto

Cinebiografia do artista plástico Bispo do Rosário, baseada no livro “Arthur Bispo do Rosário – O senhor do labirinto” de Luciana Hidalgo. Homem simples, marinheiro e boxeador amador, Bispo é assaltado numa noite de dezembro de 1938 por alucinações que o fazem acreditar ser um enviado de Deus cuja missão seria julgar os homens.
[…]