Tinha esse instinto que defenestrava tesouras e repulsas
O corte violador expunha a inconfessada rebeldia
Deslavava a cara de peçonha e medo
Devassava o recinto exíguo
Aonde podia ser avulsa em segredo
O dito recurso para evitar infestação e embaraços
Era um rito profano
Transformador de seda em vassoura e ouro em palha
Manifesto prático da inculcação da desvalia
Como uma praga que se espalha
Era isto
Também era almofariz a moer ideias e obrigar
a engolir a língua – ainda osso – cheia de arestas
Talhador da contrariedade nutriz
Alavanca de crescimento
E instigador da teimosia necessária
Para aguentar as pontas
Até o atrevimento
Isto era o corte
E vieram grito e ferrugem tramar a trégua
De enlear-me em melenas
É há sempre um escroque –
Munido de artifício forjado a ferro e jogo –
Tramando comungar do ordinário
Tecendo uniformes e conformes
Até enforcar o desejo de existir
Na torção de um coque.
Ao perder a compostura do ser livre
É sorte o desvario e o vórtice na testa
É sorte ser redemoinho e inventora
Dos avatares do puimento,
Semeadora dos agentes corrosivos da
tramoia alienante
Porque esse viver grilhonado pede intervenção
ou morte, pede reconhecer as voltas que o mundo dá
e uma sorte afiada no costume de existir
Há um dia para o desprendimento
Não aos queratinosos receptáculos da fé alheia
Não à contenção por mais elástica
Não ao tempo gasto na satisfação estética
De um outro que não esclarece o peso
Esse peso imensurável que não é próprio da vida
Tampouco devido à sombra constante da morte
E só há como aplacar nos braços de Dalila
A sacerdotisa das dualidades
Que venha o sono restabelecedor
E a emancipadora libertação do corte.
há em mim algo desse sentimento, há. belo.
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Alma lírica iriênica é legal!
Beijos meus queridos. Saudades também. Temos uma história juntos e pelo jeito vamos prosseguir juntos pelo tempo que a poesia determinar.
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Que saudade eu sentia também do prazeroso exercício que é a tentativa de interpretação da alma lírica iriênica!! Essa é uma dos mais belas páginas dessa revista que li até agora.
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Tentei decifrar este universo de signos até onde me é possível da visão feminina. Quando se avista o fio – e talvez esteja totalmente equivocado, mas neste caso arriscaria: os fios – o sabor contempla a degustação. Sabor aos olhos, sabores dos sentidos. A imagem que ilustra este teu poema não poderia ser mais própria.
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Muito bom voltar a ler algo de Iriene; já me ressentia disso. Aqui há o rompimento com o óbvio, o corte no que corta, a amplitude que dá à palavra o itinerário imprevisto que se pede nesta revista.
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